A luz que salvou o Natal

Autor: Maria Clara Fernandes, 11ºA

Mesmo que tenha nascido para fazer este trabalho, não suporto ter de levar as pessoas comigo, como se estivesse habituada a tal coisa, como se gostasse de fazer o que faço. Desde 24 de fevereiro de 2022 que ando pelas ruas sem parar, sem ter um único minuto de descanso. Vejo as pessoas a acumularem-se e percebo o quão este mundo está perdido nas mãos do ser humano. Indivíduos a todo o redor do terreno. Subtilmente tento trazer comigo as suas almas, dando-lhes os devidos descansos que desde àquela data tanto mereciam. Mas há uma família que me mantém cativado. A sua fé, independentemente da situação em que se encontravam. Desde o início que têm passado dificuldades. Cada vez que se ouve um pequeno barulho de avião a pobre rapariga, Asha, encolhia-se diante de um dos seus livros, onde se refugiava para não pensar no mundo que a rodeava nestes tempos indeterminados. O seu pai, Ethan Robinson, tinha sido mandado para combate já a algum tempo. Por vezes a miúda recebia uma carta deste, mas desde que fora embora nunca mais regressara a casa. A mãe, Grace Robinson, estava sempre preocupada não só com a ausência do seu marido, como também com a sua própria filha. Tentava sempre dar o melhor de si para animar a pequena garota e prometer-lhe que o seu progenitor regressaria não tarda.

  • Mamã, quando é que o papá volta?
  • Falta pouco. Vais ver que daqui a nada está de volta para te ler aquele livro que tanto gostas.

Tantos dias que passava por perto do casebre dessa família, para carregar as almas que sussurravam o meu nome, e diversas vezes ouvia essas palavras repetitivamente. Dois anos e dez meses se passaram. A situação ia piorando e não só se ouvia cada segundo de guerra que acontecia a pouca distância da pequena aldeia onde Asha e os seus pais viviam, como também o senhor Robinson escrevia menos cartas que no início. Era véspera de Natal, mas não foi motivo suficiente para deduzir que, no dia a seguir, se iria passar essa data comemorativa em paz e que a guerra teria finalmente terminado. Asha tinha um melhor amigo, Aaron, que, desde muito novos, sempre se apoiaram, já que para além de vizinhos, as mães eram muito amigas. Ambas as situações estavam bastante difíceis, com escassez de comida e os próprios pais a lutar pelo país. Nesse dia estes tinham passado a tarde a tentar se distraírem na rua. Exploraram o longo rio que escorria perto do local onde moravam. Estava a ficar tarde, o sol estava lentamente a desaparecer no horizonte, dando uma tonalidade mais serena ao ar tenso que perdurava por demasiado tempo naquele lugar. Os adolescentes passaram o poente a contemplar as maravilhosas cores que o sol emitia ao redor dos mesmos e, um pouco mais tarde, as estrelas que iluminavam o céu. Vários minutos se passaram com conversa a fio e no exato momento em que buscava por mais um corpo não muito longe dali, quando estava prestes a cruzar com aqueles adolescentes para direções opostas, um rastro de luz encheu o céu invadindo o pequeno espaço de distância a que me encontrava de Asha e Aaron. Uma estrela

cadente, fenómeno natural raro e maravilhoso, deixa estas almas vivas com energia e esperança.

  • Vai Ash, rápido! Pede um desejo!

Eles não disseram mais nada, senti apenas a tensão das mãos de ambos a entrelaçarem os dedos, sentia a agonia do arame invisível na garganta dos dois. Ninguém os ouvia tão perfeitamente como eu naquele momento, como um silêncio ensurdecedor. O desejo de que tudo passe, que os pais regressem, de voltar tudo ao normal. A luz desapareceu, o transe acabou. Eu tinha de voltar ao trabalho, porque não

  • uma estrela cadente que vai impedir as mortes. Eles tinham de regressar a casa antes que as mães entrassem em pânico com medo de lhes ter acontecido algo. A meia-noite deu e só mais tarde, quando o sol ameaçava reaparecer no céu, começava a perder o rastro a corpos. Por incrível que seja, agarrei na última alma e transportei-a comigo à procura de mais companhia. O rasto parou, não havia quem mais levar comigo na minha viagem. A Rússia tinha sido finalmente derrotada, depois de tanto sofrimento passado e vítimas massacradas. Todos os soldados que sobreviveram foram enviados imediatamente para as suas habitações para um imediato descanso e recuperação. Enquanto transportava a última vida comigo passava pelas habitações que, felizmente, sobreviveram à guerra considerada eterna. Vi um camião a abandonar Ethan Robinson e o seu companheiro, Brian Roberts, pai de Aaron, nas respetivas portas de casa. Ambos apresentavam leves ferimentos, contudo nada de grave. Momentos depois de os soldados baterem à porta das respetivas casas as suas mulheres vêm ao seu encontro. Ao mesmo tempo, estas começaram a ficar emocionadas e desassossegadas. Os mais novos despertaram com o ruído provocado e também ficaram extremamente contentes com o regresso dos pais, como se tudo tivesse sido um milagre de Natal. Antes de partir daquele sítio e dar o sinal para uma futura paz permiti-me contemplar os sorrisos, lágrimas e fortes abraços que marcaram esse momento único.

Ass: Rosa negra

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