Autor: Ana Cordeiro, 12ºA
Introdução
Para iniciar este trabalho, creio que é pertinente uma breve contextualização, e para isso utilizo dois conceitos, já abordados na disciplina de Filosofia no 10º ano, que foram descritos por Savater, num livro que, na minha opinião, todos os jovens na faixa etária entre os 15 e 85 anos deveriam ler. São eles (p.51):
– Moral: “conjunto de condutas e normas que tu, eu e alguns dos que nos rodeiam costumamos aceitar como válidas”;
– Ética: “reflexão sobre o porquê de as considerarmos válidas, bem como a sua comparação com as outras “morais”, assumidas por pessoas diferentes.”
Além destes, este autor, debruçando-se sobre a liberdade, refere que não podemos fazer tudo o que queremos, contudo também não estamos obrigados a fazer uma única coisa.
Desta maneira, perante situações do nosso dia a dia, penso que temos o dever, como cidadãos, de as questionar e de nos questionarmos.
Posto isto, e como o tema deste texto são as redes sociais, julgo que antigamente todas as pessoas tinham de conviver umas com as outras para socializarem e desenvolverem relações humanas, sociais, profissionais, entre outras. Consequentemente, as pessoas conviviam fisicamente com quem lhes era próximo e tinham de argumentar, presencialmente, com quem discordavam. Neste sentido, discutir, enquanto se olhava para o outro, pressupunha alguma contenção na linguagem e manutenção de regras para a convivência, visto que no dia seguinte ou passado alguns dias voltava, provavelmente, a haver contacto e, portanto, convívio. Deste modo, esta situação fomentava a aceitação do outro e contribuía para a evolução das opiniões pessoais e aceitação das alheias. O grupo de indivíduos com quem uma pessoa se relacionava era reduzido, porém permitia o desenvolvimento de relações mais profundas controladas por si e por todos aqueles com quem convivia. Assim, as pessoas tornavam-se mais próximas e íntimas, contribuindo para o seu desenvolvimento, dos outros e das relações por eles estabelecidas, sem a intervenção de “mecanismos estranhos” à relação.
Aqui surge a rede global, que analisaremos, metaforicamente, como os “mecanismos estranhos” à relação, visto que os algoritmos, baseados na inteligência artificial e usados pelas empresas tecnológicas, aproximam pessoas com opinião semelhante e afastam-nas daquelas que têm opiniões diferentes, radicalizando os discursos de afinidade e de repulsão. Também as empresas tecnológicas atuam à escala mundial e potenciam o radicalismo pois garantem o espírito de grupo de pessoas com a mesma opinião contra aquelas que defendem os extremos diametralmente opostos. Ora, como a disputa não é realizada olhos nos olhos, tudo é permitido, e daí ser realçado e até normalizado o discurso do ódio.
Portanto, nesta pequena introdução, referi Savater e refleti, expondo sucintamente a minha opinião relativamente ao fenómeno de grupo que ocorre virtualmente nas redes sociais, mas com o qual, de uma forma ou outra, mais ou menos, todos nos identificamos. Desta maneira, deixamos de debater com quem não tem a mesma opinião que nós e perdemos a capacidade de pensar criteriosamente, de argumentar e de evoluir. E se debatemos, não há respeito, empatia, ou compreensão, mas sim, na maioria das vezes, um discurso baseado no ódio, e, relembrando mais uma vez conteúdos da disciplina de Filosofia de 10º ano, caímos na falácia ad hominem.
Seguimos o rebanho, somos nós ou os outros. A questão é que este tema se reflete no quotidiano de forma tão evidente que, quase na totalidade dos lugares que frequentamos, seja nos corredores da escola, ou num evento mais formal, vemos pessoas isoladas que não interagem umas com as outras, mas sim com um ente que não está ali.
Mas passemos a desenvolver o tema, estruturando alguns dos conceitos abordados na disciplina de Filosofia.
As redes sociais
Segundo alguns estudos, os algoritmos usados para passarmos horas à frente do telemóvel, fomentam o adormecimento da nossa participação na sociedade em que estamos incluídos. Em boa verdade, não potenciam as nossas capacidades de relacionamento saudável, uma vez que o quotidiano passa a ser partilhado com centenas de indivíduos, que por vezes nem reais são, num mundo digital que não permite o autoconhecimento e, consequentemente, o autoconceito. Portanto, ficamos dependentes no número de likes e entramos numa competição. Nesta, as fotos, os lugares idílicos, as viagens e aparências de sonho, criam a necessidade de substituir a nossa realidade por algo virtual, que passa a ser utópico e que quase sempre aparece somente num ecrã. As redes sociais passam a ser o nosso espelho e, como podemos ser tanta coisa neste meio global, esquecemos o que realmente somos.
A dualidade informação – atenção
Estas aplicações informáticas foram arquitetadas por empresas cujo objetivo é obter lucro. Para tal, a mais valia não é a opinião e o conforto do utente, mas sim os seus comportamentos de consumo, que depois podem ser explorados diretamente ou vendidos a preço de ouro. Com efeito, a estratégia destas companhias é prender a nossa atenção e, como consequência, somos bombardeados com informação habilmente direcionada para cada um de nós, em função das nossas manifestações para com determinada aplicação informática. Ora, como usamos várias aplicações, a nossa atenção é fragmentada. Antigamente, como a informação era pouca, os poucos que tinham acesso a ela dedicavam-lhe a sua máxima atenção. Hoje os papéis inverteram-se e, perante tarefas que requerem paciência, sacrifício, dedicação e perseverança, o nosso cérebro não tem a capacidade de concentração como antigamente.
A sociedade da informação
Deste modo, podemos caracterizar esta sociedade como a que dá importância ao tempo passado na rede informacional proporcionada pela internet (infoesfera), em detrimento do tempo da realidade física (ecosfera). Daqui surge o conceito de inforgs: organismos informacionais conectados.
A ética como salvaguarda
Neste sentido, se a moral é o conjunto de normas que nós aceitamos como válidas e se, atualmente, a norma é deixarmos de viver o mundo real para passarmos a estar dependentes do virtual, penso que a ética pode ajudar-nos visto que questiona esta moral que nos hipnotiza e fomenta os radicalismos. Por outro lado, a ética permite-nos relativizar, questionar, colocarmo-nos no lugar do outro e, essencialmente, propõe-nos alternativas de partilha construtiva suportada num diálogo e argumentação saudáveis, assim como na leitura e compreensão de fontes comprovadamente fidedignas.
Neste âmbito, Mill propõe um princípio relativamente simples: a comunidade deve poder atuar contra a vontade de qualquer elemento que a constitui, com o objetivo de prevenir o dano de terceiros.
Desta maneira, considerando estas empresas como entidades inseridas no estado, compete a este regular a sua atividade a fim de prevenir o prejuízo de outrem, pelo que seria importante existir legislação específica dirigida a estas empresas com o intuito de cada uma revelar o seu verdadeiro objetivo quando interage connosco, de forma a não nos tratarem como recursos a explorar economicamente.
Assim, penso que compete a cada um de nós pressionar o estado para legislar em conformidade, mas também sermos críticos, ler e conversar sobre estas coisas para podermos questionar alguns dos mecanismos que criam esta dependência de coisas fúteis.
Penso também que devemos impor um autocontrolo sobre nós mesmos, propondo-nos uma diminuição do tempo de ecrãs, assim como o seu modo de utilização, não cultivando e normalizando a publicação de realidades irreais, e isto ajudará a reorientar as nossas prioridades, obrigando-nos a sermos nós a organizar o nosso quotidiano em detrimento de um algoritmo instalado no nosso telemóvel.
Por fim, acrescento ainda a necessidade de exigir mais e melhor informação sobre a filosofia do funcionamento das redes sociais e dos mecanismos de “extração de atenção” que usam.
Em suma, podemos concluir que o mundo digital não está preocupado com a sabedoria, nem com as relações humanas, porque os seus valores são moldados pela aprovação (likes) e não pela introspeção. Portanto, penso que a razão pode ser convocada para este debate, como uma maneira de nos rebelarmos contra esta situação. Neste sentido, a ética permite-nos transgredir e usar a nossa liberdade de forma a não sermos obrigados ao que nos propõem as redes sociais: isolarmo-nos em grupos acríticos de opinião uniforme, fomentando o radicalismo, porque sem a razão vejo a inteligência artificial como uma ingerência real.
Bibliografia
Ética para um jovem, (2016), Fernando Savater, Ed. Dom Quixote
Ágora 11, (2023), Susana Teles de Sousa, Isabel Pinto Ribeiro e Rui Areal, Porto Editora
