Fritz Haber: entre a maravilha da agricultura e o horror da guerra

Autor: Professor Manuel Diogo Cordeiro

Fritz Haber (1868 – 1934) foi uma das personagens mais contraditórias da Ciência. Como químico excecional, ajudou a alimentar o mundo ao desenvolver um método revolucionário para produzir adubos artificiais. Porém, também é lembrado como o pai da guerra química por ter adaptado e operacionalizado o uso de gases mortais na Primeira Guerra Mundial. A sua vida oscilou entre a glória científica e a tragédia pessoal, marcada por dilemas éticos, pela perseguição política e por uma amizade duradoura com Albert Einstein.

O amoníaco

No início do século XX, a produção agrícola enfrentava um grande desafio: a falta de fontes acessíveis de nitrogénio, essencial para o crescimento das plantas e cereais produzidos para alimentar a população humana. O adubo mais utilizado na época era o guano, constituído por excrementos de aves marinhas, importado dos Andes na América do Sul. Porém, a sua recolha era difícil, o transporte caro e as reservas naturais diminuíam a grande ritmo.

Foi neste contexto que Haber descobriu, em 1909, um processo de fixar o di-nitrogénio do ar (substância que constitui cerca de 78% da atmosfera) ao combiná-lo com o di-hidrogénio, sob alta pressão e temperatura. O resultado foi a síntese de amoníaco (NH3), que passou a ser a base de fertilizantes artificiais.

A produção industrial foi projetada por Carl Bosch e o processo passou a ser denominado Haber-Bosch.

Esta descoberta teve um enorme impacto dado que permitiu aumentar exponencialmente a produção de alimentos e é, ainda hoje, responsável por assegurar a alimentação de cerca de metade da população mundial.

Resumidamente o processo começa pela obtenção dos dois reagentes:

– di-nitrogénio (N2): obtido por destilação diretamente da atmosfera, visto que o ar que a constitui tem cerca de 78% desta substância;

– di-hidrogénio (H2): tradicionalmente obtido a partir da reação entre vapor de água (H2O) e gás natural (maioritariamente metano – CH4), que dá origem a H2 e CO (monóxido de carbono, muito tóxico), seguido de reações para purificar o hidrogénio e transformar CO em CO2.

A equação química representativa da reação de obtenção do amoníaco é a seguinte:

N2(g) + 3H2(g)             2NH3(g)

Para melhorar o rendimento desta reação e obter a máxima quantidade de amoníaco possível, o processo é realizado sob condições extremas:

Temperatura: entre 400°C e 500°C;

Pressão: entre 150 e 300 atmosferas;

De realçar que a temperatura média do nosso planeta ronda os 15 ºC e a pressão média é de 1 atmosfera.

Desta maneira, a alta pressão favorece a formação de NH3, já que reduz o número de moléculas no estado gasoso.

Utiliza-se ferro metálico (Fe) como catalisador, muitas vezes misturado com óxidos de potássio (K2O) e alumínio (Al2O3), que melhoram o seu efeito e durabilidade.

Quando se forma o amoníaco, no reator coexistem N2, H2 e NH3. Para isolar o NH3 retira-se a mistura gasosa do reator e arrefece-se rapidamente. Como o NH3 tem o ponto de ebulição mais alto dos três componentes da mistura, é o primeiro a passar para o estado líquido, sendo logo separado.

Os reagentes que não reagiram (N2 e H2) são reciclados e reintroduzidos no reator.

Este processo ainda é usado na indústria química moderna e continua a ser fundamental para produzir fertilizantes usados para a produção alimentar mundial.

A ciência ao serviço da guerra

A contribuição de Haber para a alimentação da Humanidade é incontestável.

Por outro lado, também se envolveu ativamente no esforço de guerra da Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial. Convicto de que a ciência poderia ajudar a vencer o conflito e terminar mais rapidamente a guerra, dirigiu o desenvolvimento de armas químicas no Instituto Kaiser Wilhelm, em Berlim, instituição que ajudou a fundar.

Foi responsável pela introdução do gás di-cloro como arma de guerra, utilizado em larga escala pela primeira vez em 1915, na Batalha de Ypres, na Bélgica, sendo a operação dirigida pessoalmente por ele. A nuvem tóxica criada matou milhares de soldados e deixou muitos com sequelas permanentes. Posteriormente, introduziu o uso do fosfogénio (COCl2), muito mais mortífero e ainda fez testes com mais gases tóxicos.

Neste contexto, Haber concebia o uso de gás como forma de contribuir para o fim da guerra.  No entanto, para a Humanidade, foi o início do terror da guerra química.

Foi então que ocorreu uma tragédia que assombrou para sempre a vida de Haber. A sua esposa, Clara Immerwahr, também cientista e pacifista, opôs-se publicamente ao envolvimento do marido no desenvolvimento de armas químicas. Incapaz de lidar com o conflito entre os seus ideais e a realidade, Clara pôs fim à sua vida pouco depois do primeiro ataque com gás di-cloro.

Um Prémio Nobel polémico

Em 1918, Fritz Haber foi galardoado com o Prémio Nobel da Química, pelo seu trabalho na síntese de amoníaco. A atribuição deste galardão causou celeuma, dado o seu papel ativo na primeira grande guerra. Embora o Comité Nobel se tenha focado no mérito agrícola e alimentar da descoberta, muitos viram o prémio como uma injustificável absolvição e distinção de alguém envolvido na produção e utilização de armas de destruição maciça.

Haber e Einstein: uma amizade à prova de bala

Haber e Einstein foram colegas com conceções divergentes sobre a guerra. Einstein era um pacifista convicto, judeu praticante e crítico acérrimo do nacionalismo. Por sua vez, Haber era um alemão patriota, de origem judaica, mas convertido ao cristianismo, que acreditava na ciência como instrumento do estado e na guerra como arma de persuasão.

Durante a Primeira Grande Guerra, os dois confrontaram-se ideologicamente: Einstein criticava abertamente os cientistas envolvidos na guerra, enquanto Haber os liderava. Apesar disso, a amizade entre os dois resistiu. Einstein respeitava Haber e era sensível ao seu sofrimento pessoal, sobretudo após a morte da esposa Clara.

Com a chegada de Hitler e dos nazis ao poder na Alemanha, em 1933, a lealdade de Haber para com a Alemanha foi posta em causa. Apesar dos seus serviços em prol do país, dado que a sua origem era judia, foi forçado a abandonar o Instituto Kaiser Wilhelm. Nesta altura, Einstein, exilado na Suíça, foi um dos que mais o apoiou, ajudando-o a encontrar oportunidades de trabalho no estrangeiro.

A relação entre ambos é uma das histórias mais humanas da ciência: dois homens brilhantes, separados por visões do mundo diferentes, mas unidos pelo respeito e pelo reconhecimento mútuo, num tempo de ódios exacerbados fomentados pela guerra.

Os últimos dias

Após várias tentativas falhadas para se reestabelecer profissionalmente devido ao seu passado ligado à 1ª Guerra Mundial, Haber aceitou uma proposta para trabalhar na Universidade Hebraica de Jerusalém. Porém, exausto e doente, nunca chegou a exercer funções no novo cargo, dado que morreu pouco depois, em janeiro de 1934, na Suíça.

Considerações finais

Há uma expressão relacionada com Haber que o lembra como o “homem que matou milhares para salvar milhões”. Foi premiado e perseguido, serviu fielmente a Alemanha e, contudo, foi destituído dos seus cargos.

Em suma, a sua vida é um exemplo de como a ciência, tal como qualquer criação Humana, pode ser usada tanto para construir como para destruir e muitos dos seus protagonistas vivem nestes extremos.

Para finalizar proponho uma banda desenhada, recheada de excelentes detalhes, cujo título é “As guerras de Albert Einstein”. Os autores são François de Closets e Éric Corbeyran e está editada em Portugal pela Gradiva. É baseada em factos reais e ao longo dos dois volumes revela o confronto e a evolução das opiniões de Haber e Einstein.

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